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A&E estreia Homens Sem Lei, série documental sobre o primeiro esquadrão da morte brasileiro

Nova produção revela a atuação da Scuderie Le Cocq, o primeiro esquadrão da morte brasileiro, criado nos anos 1960 Lúcio Flávio, Aguinaldo Silva, Cara de Cavalo, Percival de Souza e Mariel Mariscot são alguns dos personagens abordados na série

A nova série original do A&E, uma coprodução Pacto Filmes e Mescla Entretenimento, Homens Sem Lei, faz um mergulho no passado para revelar o surgimento do primeiro esquadrão da morte brasileiro, no Rio de Janeiro.

Tão violenta quanto polêmica, a trama é construída pelo ponto de vista da imprensa – com manchetes, fotos e matérias dos jornais da época, e por quem de fato a vivenciou –, refletindo sobre o papel da reportagem criminal na criação de narrativas para vender jornal e na própria escalada da violência urbana do Rio de Janeiro.

Muito se fala sobre as milícias, os grupos paramilitares que tomaram conta do Rio de Janeiro nas últimas décadas, mas pouco se fala como o Scuderie Le Cocq começou. Antes dela, nos anos 1950, existiu o SDE – Serviço de Diligências Especiais, um grupo de elite responsável pelo extermínio puro e simples dos malfeitores; mas o Scuderie Le Cocq foi considerado o primeiro esquadrão da morte organizado como clube, com associados e estatutos, identificado pelo emblema E.M., remetendo diretamente ao seu objetivo, e uma caveira sobre duas tíbias como símbolo.

Em 1964, o bandido Cara de Cavalo, amigo pessoal do artista Helio Oiticica, foi perseguido pelo detetive Milton Le Cocq, o mais temido policial da época. O criminoso não só conseguiu escapar como atingiu Le Cocq com um tiro fatal, dando início a maior caçada policial do Brasil. Durou 120 dias, juntou mais de 300 policiais de todo país e acabou exterminando o bandido na região de Búzios, com 64 tiros. Nascia ali a Scuderie Le Cocq, fundada, entre outros, pelo ex-delegado Sivuca, autor da célebre frase “Bandido bom é bandido morto”, e com o apoio da imprensa, do governo e de grande parte da população.

Em cada episódio de Homens Sem Lei a história é contada a partir dos principais bandidos assassinados pelo grupo, com depoimentos de personagens que vivenciaram os fatos, como os jornalistas Luarlindo Ernesto, única testemunha ocular da caçada a Cara de Cavalo, Aguinaldo Silva, novelista que atuava no jornal O Globo como repórter policial na época, e Percival de Souza, até hoje figura marcante nos programas criminais vespertinos. Com uma pesquisa minuciosa, manchetes e matérias originais, a série apresenta um acervo raro de canais como Globo e TV Cultura, com reportagens de campo feitas por nomes icônicos, como Glória Maria.

Em seu auge, a Scuderie Le Cocq chegou a ter mais de sete mil associados, e segundo Sivuca, teve entre os membros médicos, advogados e professores, além de celebridades como Pelé e o cantor Frank Sinatra, que seria portador da carteirinha internacional número 1, tendo, inclusive, visitado a sede da organização quando se apresentou no Brasil. Entre os integrantes do grupo, também estava o famoso policial e excêntrico detetive Mariel Mariscot, conhecido pelos romances com atrizes famosas. Ele é representado na série por sua filha, Marielsa, que relembra histórias como a do dia em que ele fugiu do presídio da Ilha Grande, a nado, para ver seu parto em um hospital da zona sul do Rio de Janeiro. Outro bandido retratado é Lúcio Flavio, eternizado pelo filme do diretor Héctor Babenco Lúcio Flavio – Passageiro da Agonia, cuja história é contada pela própria irmã, Selva Vilar Lirio.

Em maio de 1957, o general Amaury Kruel, militar linha-dura, é nomeado Chefe do Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), que vai imprimir uma ação rígida contra a criminalidade, desconsiderando os direitos humanos ou a polícia científica, e, com esse fim, monta um grupo de elite no Serviço de Diligências Especiais (SDE) da Delegacia de Vigilância. Sete policiais de prestígio na polícia civil são transferidos para lá, entre eles Milton Le Cocq. O incentivo à matança alcança outras unidades da polícia carioca. Começam a surgir denúncias na Justiça contra a execução de bandidos e inocentes. Ainda em 1958, o detetive Eurípedes Malta, que mata outro trabalhador por engano, é denunciado, julgado e condenado como o primeiro chefe do “Esquadrão da Morte”. Mas a ação de seu grupo continua, protegida veladamente pela cúpula da segurança pública. Le Cocq passa a chefia-lo e ganha mais destaque.

Considerada por sociólogos, historiadores e pesquisadores a gênese das milícias no Brasil, a Scuderie Le Cocq encerrou as atividades oficialmente nos anos 80; e teve entre seus últimos associados o policial Ronnie Lessa, assassino confesso de Marielle Franco. “Entender essa história também é entender, com mais clareza, a escalada da violência urbana no Rio de Janeiro e atual situação da segurança pública no Brasil”, afirma o diretor de Homens Sem Lei, José Tapajós.

Aguinaldo Silva; os jornalistas Zuenir Ventura e Percival de Souza; o repórter Luarlindo Ernesto, o último grande nome ainda vivo de uma geração de repórteres criminais brasileiros; o artista plástico Carlos Vergara, amigo pessoal de Hélio Oiticica; Sivuca – José Guilherme Godinho, que começou na polícia na guarda pessoal do ex-presidente Getúlio Vargas, um dos fundadores e presidente da Scuderie Le Cocq; e o historiador sueco R. S. Rose estão entre os entrevistados. A série também tem depoimentos do músico e ator Jards Macalé, familiares de Lúcio Flávio Villar, da escritora Nélida Piñon e do Juiz Alvaro Mayrinck, entre outros.

Episódio de estreia: Mineirinho

Após um período de aparente sossego – em 1950, o Rio de Janeiro chegou a registrar apenas quatro assaltos em um dia –, a coisa mudou. Com um clima de medo passando a dominar a imprensa e a opinião pública, o terror atende pela alcunha de Mineirinho. Com diversos assaltos, roubos e homicídios nas costas, o criminoso é caçado pelos dois principais e mais respeitados detetives da época: Perpétuo de Freitas, o índio, famoso por prender os bandidos com inteligência, e o truculento Milton Le Cocq, reconhecido por fazer o mesmo do jeito oposto, atirando para matar.

O ano é 1962 e os dois, de lados opostos, ocupam o espaço deixado pelo SDE, que se desfez após o assassinato de um inocente motorista da TV Tupi. Após a repercussão negativa e aposentadoria precoce de Malta, a “paz” na cidade está nas mãos de Perpétuo e Le Cocq. E a captura de Mineirinho passa a ser prioridade do governo. Mineirinho é finalmente preso, mas Le Cocq e Perpétuo travam uma briga pela autoria da detenção. A prisão não dura muito e pouco tempo depois, o bandido consegue fugir. Enquanto Perpétuo trabalha sozinho, Le Cocq usa seus “homens de confiança”, entre eles o jovem detetive Sivuca, que conheceu na equipe de segurança do presidente Getúlio Vargas. Mineirinho é finalmente morto, com 13 tiros, durante uma emboscada. A violência explícita é exposta nas manchetes dos jornais e no texto da escritora Clarice Lispector: “O primeiro tiro bastava. O resto era vontade de matar”. Ninguém assume a autoria do crime, mas Le Cocq acaba sendo informalmente reverenciado como autor do feito. Meses depois, no auge da fama, Le Cocq leva três tiros, caindo morto no chão.

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Escrito por Gabriel Nascimento

Jornalista, editor-chefe do Nation POP, empreendedor, especialista em Marketing, Registro de Marcas & Creator Economy.

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