A manhã que calou uma voz
No sábado, 7 de julho de 1990, o Brasil amanheceu em silêncio. Morreu, às 8h50 da manhã, o cantor e compositor Agenor de Miranda Araújo Neto, o Cazuza, aos 32 anos, no Rio de Janeiro. Desde 1987, ele vinha enfrentando complicações causadas pela AIDS. Conforme divulgado em boletim médico, a causa da morte foi insuficiência respiratória provocada por uma infecção pulmonar.
Ainda que sua morte não tenha sido inesperada, causou forte comoção nacional. Afinal, Cazuza representava mais do que um artista — ele era símbolo de coragem, irreverência e sensibilidade.
Do Barão Vermelho à carreira solo
Inicialmente, Cazuza ganhou projeção nacional como vocalista da banda Barão Vermelho, ao lado de Roberto Frejat, Guto Goffi, Dé e Maurício Barros. Juntos, marcaram os anos 1980 com sucessos como “Pro Dia Nascer Feliz” e “Todo Amor Que Houver Nessa Vida”. Em 1985, no auge do sucesso, ele decidiu sair da banda para seguir carreira solo.
A partir de então, sua produção musical se tornou ainda mais intensa e pessoal. Canções como “Exagerado”, “Codinome Beija-Flor” e “O Tempo Não Para” consolidaram sua imagem como um letrista profundo, que transformava sentimentos e críticas em poesia.
Letrista incisivo e cronista de um país em transição
Por outro lado, seu talento não se restringia à melodia. Em suas letras, o Brasil encontrou o espelho de seus conflitos e contradições. Ele denunciava injustiças, criticava o conservadorismo e expunha angústias da juventude em plena redemocratização. Mais do que um cantor, portanto, Cazuza foi cronista de seu tempo.
Além disso, sua arte era marcada por uma mistura de rebeldia e lirismo, que deu novo fôlego ao rock nacional. Sua presença nos palcos e nas entrevistas desafiava padrões e inspirava debates — sobre política, sexualidade e liberdade de expressão.
O rosto da AIDS no Brasil
O diagnóstico de HIV, em 1987, mudou profundamente sua trajetória. Até então, a AIDS era envolta em silêncio, preconceito e desinformação. Contudo, ao tornar pública sua condição, Cazuza deu um rosto à epidemia no Brasil.
Mesmo fragilizado, ele não deixou de produzir. Em 1989, por exemplo, lançou o álbum duplo “Burguesia”, que foi gravado em grande parte em um estúdio montado em sua casa. Ainda que sua saúde já estivesse visivelmente comprometida, as letras do disco mantinham a força, a crítica social e a poesia que sempre o caracterizaram.
Consequentemente, sua postura inspirou milhares de pessoas e provocou avanços na maneira como o país passou a discutir a doença.
Despedida no Rio de Janeiro
Cazuza morreu em casa, ao lado da mãe, Lucinha Araújo, que esteve com ele até o fim. O velório foi realizado no Cemitério São João Batista, em Botafogo, onde amigos, artistas e fãs prestaram suas homenagens.
Durante a cerimônia, suas músicas foram cantadas em coro, e muitos deixaram flores, cartas e agradecimentos. Além disso, a comoção popular reafirmou o impacto de sua arte na vida das pessoas.
Ainda no mesmo ano, Lucinha Araújo fundaria a Sociedade Viva Cazuza, dedicada ao apoio de crianças soropositivas. Assim, o gesto solidificaria o legado social e humano do artista.
Um legado que o tempo não apagou
Cazuza não foi apenas um artista talentoso. Ele viveu intensamente, criou com urgência e enfrentou a morte com uma lucidez poucas vezes vista em figuras públicas. Seu legado segue vivo — nas canções, nas entrevistas, nas imagens e, sobretudo, nas palavras.
“Transformo o tédio em melodia, transformo a melodia em poesia, transformo a poesia em atitude.”, escreveu ele. Essa frase, aliás, resume com precisão sua essência.
Portanto, embora tenha partido cedo, Cazuza permanece. Afinal, como ele próprio cantou:
“O tempo não para.”