Por: João Pedro
Prólogo: O Espetáculo Recomeça
Das entranhas nebulosas de Manchester, entre as ruínas de pubs e os estádios adormecidos, o Oasis ressurge. Não como simples banda, mas como entidade espectral, saída de uma peça de Shakespeare. O retorno dos irmãos Gallagher não é um reencontro musical — é um drama em três atos, com direito a traições, vaidade e aplausos cínicos.
A Guerra dos Gallagher: Lear e Edmund de guitarras em punho
Durante anos, Liam e Noel encenaram uma tragicomédia pública. Com a astúcia de dois Iagos sem Otelo, transformaram entrevistas em duelos, e qualquer possibilidade de reconciliação soava tão plausível quanto o retorno de Hamlet ao reino dos vivos. Mas o improvável aconteceu: eles decidiram — ou fingiram decidir — que a guerra estava suspensa. Subiram ao palco juntos. O teatro reabriu. O Britpop tremeu.
Oasis: Não músicos, mitos
Nunca buscaram a virtuosidade. Nunca precisaram. A grandeza do Oasis não nasceu das harmonias, mas da arrogância. Do tipo de fé que constrói impérios com três acordes e dois irmãos furiosos. Como todo herói trágico, brilharam mais nas falhas do que nos acertos. A história os consagrou não pelo que cantaram, mas pelo que representaram: o último grito da classe trabalhadora com ilusões de majestade.
Entre Próspero e Mercúcio
Hoje, Noel parece um Próspero cansado de seus próprios feitiços — um homem que já viu tudo e não se impressiona com nada. Liam, por outro lado, continua um Mercúcio elétrico: insolente, hilário e perigosamente sincero. Se um representa o cérebro e o outro o instinto, o Oasis é o ponto de colisão entre razão e delírio — uma banda feita de espelhos quebrados e letras que desafiam o tempo.
Turnês, Temores e Trovões
A nova turnê do Oasis promete não apenas refrões eternos, mas a ressurreição simbólica de uma era que se recusa a morrer. É como se os anos 90 voltassem a vestir jaquetas de couro e tênis sujos para se espremerem mais uma vez nos estádios lotados. Quando Liam bradar o primeiro verso de “Don’t Look Back in Anger”, o público não vai apenas cantar — vai exorcizar décadas de frustrações, nostalgias malcuradas e adolescências mal resolvidas. Cada acorde será um gesto de negação ao presente, um delírio coletivo que transforma a memória em rito.
E, mesmo assim, todos saberão — no fundo do peito onde ecoam as mentiras mais doces — que o passado ainda late entre os versos, feito um cachorro velho que se recusa a morrer. É aí que mora o verdadeiro charme da volta: não na inovação, mas na repetição cerimonial do que já foi dito e sentido. O Oasis não retorna para surpreender, mas para reafirmar o pacto entre melancolia e espetáculo, entre o ruído do mundo e a ilusão de que, por alguns minutos, tudo ainda faz sentido.
Epílogo: The Band’s the Thing
Talvez essa volta não traga nada de novo. Talvez seja apenas mais um ato ensaiado em nome do capital — e não da catarse. Mas isso pouco importa. O palco é deles. O eco também. E como dizia Hamlet: “The play’s the thing.” O Oasis retorna não como promessa de futuro, mas como confirmação de que certas tragédias merecem ser revividas, com todos os seus aplausos e ranger de dentes.
Nota do autor:
Se o Britpop era o reino, Oasis sempre foi sua tempestade. Agora que os trovões voltam a rugir, deixemos os relâmpagos nos guiar.