As também gaúchas Elisa Veeck e Muriel Porfiro conduzem uma entrevista cheia de reflexões sobre a tragédia, as responsabilizações, a urgência das mudanças climáticas, a polarização política e os desafios daqui para frente. Mais de cem mortos, outra centena de feridos, desabrigados e desaparecidos. Quase 1,5 milhão de pessoas foram afetadas pelas fortes chuvas que atingem o Rio Grande do Sul desde o final de abril. Das 497 cidades gaúchas, 425 já foram afetadas, nesta que é a maior tragédia da história do estado. A previsão é de que a água demore mais de um mês para baixar, e quando ela for embora, vai sobrar muito trabalho de reconstrução. Como começar? Como tentar voltar à vida normal depois de um evento tão anormal? Sobretudo quando, para muitos, a vida nunca mais voltará a ser a mesma.
Ao mesmo tempo em que a tragédia mobilizou diferentes esferas da sociedade para o envio de ajuda ao estado, muitas pessoas também tiram proveito da situação, com notícias de roubos, saques, e até estupro em abrigos para os desalojados. Sem contar a disseminação de fake news tendo impacto direto no trabalho das equipes de resgate.
“A fragilidade traz à tona a solidariedade, a fragilidade traz à tona também a violência. Mas nós sobreviveremos”, disse Karnal. Mas a questão, segundo ele, vai muito além disso. “Na verdade, nós temos agora um desafio que não é apenas ter sobrevivido. Temos risco de leptospirose, temos problemas de abastecimento, contaminação com coliformes fecais do lençol freático. Nós temos problemas estruturais de pontes que foram destruídas. A indústria da região foi profundamente afetada, a agricultura familiar foi muito afetada…”, afirmou.
O historiador falou também sobre a importância de buscar uma saída para as questões climáticas que seja mais ampla. “Nós aprendemos com a pandemia que a solução não pode ser individual. Nós aprendemos com a pandemia que não importa que você tenha um plano de saúde sofisticado. Se a pandemia não fosse vencida coletivamente, ela voltaria inclusive sobre as pessoas de elite. Então é preciso pensar que nós temos que pensar soluções globais. E acima de tudo: não fazer políticas de governo, mas fazer políticas de Estado”, disse.
Para Karnal, é inegável que as mudanças climáticas foram, no mínimo, aceleradas pelo homem e é imperativo buscar soluções para esses problemas. “É absolutamente ingênuo não levar em conta que a ação humana aprofundou isso. Para conseguir uma sociedade mais harmônica, em harmonia com a natureza, nós precisamos mudar, porque senão nós faremos um outro programa o ano que vem”.