Ucraniana naturalizada japonesa, Carolina Shiino venceu atual edição do concurso de beleza. Vencedora vive no país asiático desde os cinco anos.Quando Carolina Shiino recebeu a faixa e a coroa de Miss Japão 2024 num hotel em Tóquio nesta segunda-feira (22/01), correram lágrimas de seus olhos. Naquele momento, afinal, a jovem de 26 anos se tornava a primeira mulher a ganhar o título sem ter nascido no Japão e nem ter pais de ascendência japonesa – e cuja cidadania lhe fora concedida só em 2022.
“É como um sonho”
Disse Shiino após a coroação.
“Tive que superar barreiras, que frequentemente me impediram de ser aceita como japonesa. Por isso, sou extremamente grata por ser aceita como japonesa nesta competição.”
Apesar disso, as redes sociais no Japão foram imediatamente inundadas por um debate sobre o direito de Shiino de reivindicar tal título. Entre os apoiadores, o argumento se concentra sobretudo no fato de a vencedora ter cidadania japonesa. Já entre os críticos, é levantada a questão da etnicidade.
“A pessoa eleita ‘Miss Japão’ não é nem metade japonesa, e sim 100% ucraniana. Não seria, no caso, ‘Miss Ucrânia’?”.
Questiona um perfil na plataforma X.
No Japão, a identidade japonesa é tradicionalmente definida através da aparência e não da nacionalidade. Como muitos hafus (meio-japoneses), a tenista japonesa Naomi Osaka, por exemplo, de mãe japonesa e pai haitiano, é amplamente percebida como japonesa porque “parece” japonesa, embora fale mal o idioma e só tenha obtido seu passaporte japonês aos 22 anos.
Em contraste, a ideia de que estrangeiros sem raízes japonesas, como Carolina Shiino, possam se tornar compatriotas por meio da naturalização ainda parece muito abstrata e estranha para alguns japoneses. Todos os anos, milhares de pessoas recebem um passaporte japonês, muitos deles, sem ascendência japonesa.
Foi o caso do finlandês Marti Turunen, que veio para o Japão como missionário, naturalizou-se em 1979, trocou seu nome para Marutei Tsurunen e foi deputado no país entre 2002 a 2013. Da Ucrânia para o Japão Nascida em 1998 em Ternopil, no oeste da Ucrânia, a mais nova rainha da beleza é filha de pais ucranianos.
Após o divórcio de seus pais, sua mãe se casou com um japonês de sobrenome Shiino. A família se mudou para o Japão quando Carolina tinha cinco anos. Ela cresceu no país, fala japonês sem sotaque algum e diz se sentir “linguística e mentalmente” japonesa.
Shiino admite, porém, que sua aparência ocidental sempre atraiu olhares em ambientes japoneses. Em entrevista à emissora BBC, a organizadora do concurso Miss Japão, Ai Wada, disse que o júri tinha “total confiança” na escolha de Shiino. “Ela fala e escreve num japonês belo e bem-educado”, disse Wada. “Ela é mais japonesa do que nós”. Mas esta visão não parece convencer a todos no X, principal plataforma de discussões no Japão, onde diversos usuários contestaram a escolha com alegações sobre aparência e ascendência de Shiino.
Houve comentários de apoio a nova miss e usuários chegaram a especular se o júri quis usar a competição para enviar um sinal político a favor da diversidade e expressar a sua simpatia pela Ucrânia. Novo rosto, velho debate Shiino diz ter se candidatado à coroa justamente para lutar por “uma sociedade onde as pessoas não sejam julgadas por sua aparência”.
A controvérsia provocada, no entanto, não deve ter sido nenhuma surpresa para ela, já que o país já havia sido palco de discussão semelhante nove anos atrás, quando Ariana Miyamoto se tornou a primeira mestiça a ser coroada Miss Japão. Já naquela época, críticos diziam que a jovem de 20 anos não parecia “japonesa o suficiente”. Filha de um afro-americano, Miyamoto virou alvo de um debate sobre a possibilidade de alguém com a pele escura poder ganhar o título de Miss Japão.
A pele branca, afinal, ainda faz parte do ideal clássico de beleza no país. Agora, o povo da nação insular terá que mais uma vez se acostumar com uma Miss Japão que pode até não parecer japonesa, mas é japonesa de coração.